Beatriz
Carvalho eu conheci numa festa de criança, mas nós já éramos adultas.
Ela foi
estudar animação no Canadá, e lá ela vive e trabalha, numa casinha com jardim e
árvore. Desde então, eu acompanho o que
esta escorpiana faz, e posso dizer, nada é insignificante. Seu mundo é tão doce quanto uma menina de
guarda chuvas e tão real quanto o chute na cabeça de um cachorro.
Além do seu trabalho solo, ela toca o Estúdio Donguri de animação junto com Diogo Cavalcanti e além do mais é performer de rua.
Nesta emocionante
entrevista, Beatriz Carvalho fala do processo do ilustrador/animador na procura
de uma identidade e um nicho de trabalho, apostando na potencia da própria poesia.
Também nos conta um pouco da vida no Quebec, de trabalhar para o Brasil desde
lá; e finalmente, confessa um grande sonho.
Ilustra Anêmona: Beatriz, você teve muita dificuldade em
descobrir que queria ser ilustradora?
Beatriz Carvalho: Acho que não tive dificuldade....mas
demorou.....fui descobrindo aos poucos, devagarinho, enquanto fazia outras
coisas. Na verdade, na minha formação como artista e arquiteta, eu tinha uma
produção mais voltada para o gesto, a pintura, as massas de cor, a intervenção
na cidade, muito mais do que a construção de figuras e narrativas. Acho que
isso foi aparecendo aos poucos e aos poucos eu fui descobrindo um prazer enorme
em criar ilustrações e desenhos que contavam histórias.
IA: O que você foi fazer no Canadá?
BC: Quando eu comecei
a trabalhar com ilustração, um universo imenso de possibilidades começou a se
abrir, que antes, eu não tinha muita ideia. Estava muito mais ligada no mundo
das artes plásticas, que é um universo profissional diferente do da ilustração.
Enquanto eu trabalhava com ilustração e ia adentrando esse universo, o Diogo
[companheiro] começou a estudar e a fazer animação. Daí, pra mim, foi de novo
uma descoberta. Eu vi no cinema de animação, um caminho poético e artístico de
complementar e enriquecer minha pratica como artista e ilustradora. Então,
resolvi vir estudar cinema de animação. Ilustração e animação são práticas
diferentes, mas muito complementares. Juntas, criam um universo expressivo.
IA: Existe curso de cinema de animação no Brasil? Você acha
que quem quer mesmo mergulhar nisto deve sair e estudar fora?
BC: O Brasil
é um país muito potente em termos de artistas, ilustradores e animadores. A
gente tem mesmo uma força expressiva radical que mesmo sem ter muita escola, as
pessoas se viram, aprendem e criam coisas incríveis.
O que me
motivou a vir estudar no Canadá foi mais o fato de que aqui, animação existe há
muito tempo como prática profissional e como algo a se aprender e a se ensinar.
Eles têm muita história, muita coisa foi criada aqui, então eu sinto que estou
conectada a uma história. Por exemplo, no meu primeiro ano, pude fazer animação
em filme, com câmera de 35 mm, coisa que não existe mais. Tenho professores que
trabalharam muito tempo na NFB (National Film Board do Canadá) que foi até hoje
um centro de pesquisa e criação de filmes de animação super interessante.
Mas o Brasil
está crescendo. Acho até que o mercado profissional brasileiro de animação está
aquecido, em expansão, e cada vez mais, teremos escolas e lugares para aprender.
IA: Me conta da tua rotina de estudo e trabalho em Montreal. Como são os horários, dá pra viver de ilustração? Dá pra ter clientes no Brasil mesmo morando fora?
Beatriz Carvalho: Dá. Eu tenho um ano dividido em dois. Eu
estudo efetivamente 6 meses ao ano, de setembro a abril. Nesse período, a
produção para o curso é bem intensa, semanal, muita animação. Consigo trabalhar
para o Brasil, como ilustradora, nesse período, mas é bem corrido. A outra
parte do ano, que é o verão, de abril a agosto, não estudo, daí intensifico meu
trabalho para o Brasil, e trabalho para cá também como animadora. Além disso,
você sabe, aqui fazemos tudo. A locomoção é bicicleta ou transporte público,
faxina na casa, cozinhar todo dia, enfim. A vida cotidiana leva tempo. Mas dá
tempo de tudo. Eu sinto que morar aqui e trabalhar para o Brasil têm sido
possível e muito prazeroso pra mim até agora. É tudo por skype, dá certo. É até
bom essa distância para produzir, as conversas sobre o trabalho acabam sendo
mais objetivas. Não sei se isso se prolonga por muito tempo. Acho que de tempos
em tempos é legal voltar para o Brasil, fazer novos contatos, criar projetos
com amigos parceiros para ir alimentando esse ciclo, essa rede.
IA: Quais os fatores que você considera imprescindíveis para
conseguir clientes, o que fazer para tornar o trabalho de ilustração
sustentável?
BC: Bom, eu também estou em processo, descobrindo tudo isso. Tenho
poucos anos de profissão, e essa também é uma pergunta que eu me faço. Mas até
agora, eu sinto que é importante você ter o seu universo de trabalho, criação e
linguagem. Um grupo de trabalhos, desenhos, que você considera o seu universo
de criação, a sua poética. E isso não é algo estático, é algo que pode ir se
transformando, e vai tomando uma forma cada vez mais forte e expressiva ao
longo dos anos. Isso é o que tanto admiramos no trabalho de vários
ilustradores/animadores mestres, que estão há mais tempo na estrada. Acho que
isso é importante, ir delineando o seu trabalho, a sua força, aos poucos...mas
além disso, acho que do ponto de vista mais profissional, você tem que saber
compartilhar, tornar público, mostrar. Daí, pensando mais em termos de
clientes, acho importante ter um site, um portfólio (se você ainda não tem
trabalhos profissionais, ter os seus pessoais, que você cria como se fossem
profissionais) e uma rede de contatos, que você vai construindo aos poucos.
Começam pelos amigos, indicações deles de possíveis profissionais na área
editorial, ou enfim, daí depende também dos seus objetivos...para onde vocês
orientar o seu trabalho profissionalmente, quem serão os seus clientes.
IA: Encontrar um universo próprio é algo que considero que
você já faz muito bem, pois tuas ilustrações são antiestereótipos do que é
carne de vaca por aí, elas tem muita personalidade, e um sarcasmo misturado com
inocência. Esse teu estilo, te traz
alguma dificuldade no mercado?
Beatriz Carvalho: Acho que sim, ainda que eu mesma estou
entendendo ainda por onde vou em termos de mercados e clientes. Mas com certeza,
tem muito trabalho que não rola pra mim, como ilustrar para livros didáticos
por exemplo, que é por conta do trabalho não caber, parece que nunca consigo
alcançar aquilo que esse mercado busca, talvez uma inocência que não exista nos
meus desenhos... Ainda que se a proposta é legal, para mim seria ótimo
desafio...mas eu já percebi que esse tipo de cliente tem mais dificuldade com
meu traço. Por outro lado, as vezes rolam trabalhos mais de linha, nanquim,
personagens, para publicidade, que eu nunca imaginei que pudesse rolar, mas as
vezes rola. Enfim, encontro sim dificuldade na quantidade de trabalho. Tenho
certeza que se meu trabalho fosse mais adaptável, teria mais clientes. Mas eu
ainda não sei se é isso que eu quero também, por isso digo que eu mesma ainda
estou à procura.
Mas sabe, no fundo, eu acho que o desafio é encontrar o seu
caminho, nicho de mercado, dentro da sua potência. Todo mundo tem a sua, e tem
espaço pra todas elas... será que é muito utópico da minha parte?
Não sei, eu acredito nisso...que tem tantas possibilidades
de conseguir sobreviver de uma prática, tem tantos ilustradores diferentes,
trabalhos diferentes, alguns vão pra um caminho mais editorial, outros para
livros mais autorais, outros para publicidade, outros para storyboards de animação.
IA:pra finalizar, pra onde você quer ir? Que sonho você tem?
BC: Nossa....eu tenho um sonho, talvez meio
provisório...sabe, não tenho certeza se é meu sonho definitivo...Eu gostaria de
construir um caminho como artista (ilustradora e animadora) bem autoral, que
consiga ser forte, expressivo, íntegro...claro, quero ter sempre projetos de
livros, filmes, e trabalhos comerciais...em equilíbrio, de um jeito que eu
consiga sobreviver, mas construir um caminho de trabalho que eu fique feliz, e
que me enxergue nele, que veja que ali eu estou, como se fosse a minha própria
história. E trabalhos que inspirem o mundo, em seu lado mais calmo, ou mais
intenso...e que gerem histórias e sonhos e novos desenhos feitos por outras
pessoas. E pra completar, morar numa casa, perto do mar, com um estúdio nos
fundos, cheiro de bolo no fim da tarde, com o Diogo, filhos e netos...
Sonho doce e confuso
No fim, sei que o que
posso fazer é ir seguindo o dia a dia e construindo o que for possível....e ser
feliz....
Ai que pergunta difícil!
IA: que resposta linda.
BC: (Vale, depois da uma editada hein.....)
IA: Nem vou.
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